IPTU VERUS ITR – PRINCÍPIO DA LEGALIDADE E REGRA MATRIZ DE INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIA

As limitações ao poder de tributar encontram-se expressas na Carta Magna, cabendo aos Entes Federados zelar pela estrita observância as permissões aos mesmos concedidas, de maneira a evitar a ingerência no campo de atuação de outrem. Da mesma maneira, tal limitação tem como objetivo proteger o cidadão da atuação Estatal, tendo este o direito de ser tributado conforme as regras existentes e na observância do princípio da legalidade. Por tal fato, o conhecimento das regras específicas para cobrança do ITR e do IPTU tem importância na proteção dos direitos e na fruição das garantias individuais estipuladas pela Constituição Republicana de 1988.

IGOR MONTEIRO DE BORTOLI

Pós-Graduado em Direito Constitucional Tributário pela Escola Paulista de Direito, Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito do Sul de Minas. MBA em Comércio Exterior e Negócios Internacionais pela Fundação Getúlio Vargas.

RESUMO: As limitações ao poder de tributar encontram-se expressas na Carta Magna, cabendo aos Entes Federados zelar pela estrita observância as permissões aos mesmos concedidas, de maneira a evitar a ingerência no campo de atuação de outrem. Da mesma maneira, tal limitação tem como objetivo proteger o cidadão da atuação Estatal, tendo este o direito de ser tributado conforme as regras existentes e na observância do princípio da legalidade. Por tal fato, o conhecimento das regras específicas para cobrança do ITR e do IPTU tem importância na proteção dos direitos e na fruição das garantias individuais estipuladas pela Constituição Republicana de 1988.

PALAVRAS CHAVE: IPTU; ITR; CTN; Decreto-lei nº 57/66; Critério da destinação; Ilegalidade; Anulação do lançamento tributário;

SUMÁRIO: 1. PROBLEMA; 2. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE E O CONCEITO DA REGRA MATRIZ DE INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIA; 3. REGRA MATRIZ DE INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIA DO ITR E DO IPTU; 4. CONCLUSÃO; Referências.

  1. PROBLEMA

No momento atual do país, se não estamos enfrentando a crise econômica pessoalmente, conhecemos alguém ou alguma empresa enfrentando tal dificuldade. Neste panorama, somente o planejamento empresarial, a racionalização de custos e despesas, e a inovação podem auxiliar na travessia deste cenário de turbulência.

Ao Estado, cabem as receitas ordinárias que ingressam com regularidade, decorrentes do normal desenvolvimento da atividade financeira, como por exemplo a arrecadação de tributos, e as receitas extraordinárias auferidas em caráter excepcional e temporário, em função de determinada conjuntura. O Estado não produz riqueza para o sustento da máquina. Quem produz tal riqueza de maneira regular são os cidadãos e empresas aqui instaladas.

Diante da escassez de fontes de receitas públicas, deve o Estado gerir as receitas frente às despesas necessárias a administração da coisa pública e promoção de benefícios à população (princípio da programação), observado os mandamentos constitucionais e infra que regulam a matéria, além da elaboração dos planos de ação governamental e orçamento. Nos ensina Kiyoshi Harada:

Nada poderá ser liberado sem prévia programação de despesas, a qual tem por finalidade não só assegurar às unidades orçamentárias os recursos financeiros necessários à boa execução de seu programa de trabalho, como também manter o possível equilíbrio entre a receita arrecadada e a despesa realizada de sorte a evitar, ao máximo, as situações de insuficiência de caixa […]1

Se no plano federal é evidente a falta de recursos da União, mesmo dispondo de uma seleta e variada sopa de letrinha em tributos (IPI, ITR, Pis, COFINS, CIDE, II, IE, e outros), no plano da municipalidade verificamos entes quebrados, com escassez total de recursos, já inadimplentes frente as obrigações para com os funcionários e prestadores de serviços, com folhas de salários que consomem quase a totalidade de receitas.

Dispondo da competência atribuída constitucionalmente e visando salvar o “caixa”, os municípios têm realizado a cobrança de IPTU em áreas rurais, em evidente conflito de incidência com o ITR (Imposto Territorial Rural), imposto de competência da União.

Assim, diversos contribuintes, proprietários de imóveis rurais e aqueles que desenvolvem atividades econômicas ligadas ao agronegócio tem sido compelidos através do lançamento tributário efetuado pela municipalidade, ao mesmo tempo que são tributados pelo ITR, tendo de recorrer ao Estado Juiz para ver afastada a incidência do IPTU.

  1. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE E O CONCEITO DA REGRA MATRIZ DE INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIA

A atividade da arrecadação Estatal possui como princípio norteador a necessidade de instrumento legal que legitime a exigência de um determinado tributo. Carta Republicana de 1988 em relação à vinculação da atividade da cobrança dos tributos, assim dispõe sobre o princípio da legalidade:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

I – exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça;

[…]

Atualmente o Imposto Territorial Rural (ITR), tributo de competência exclusiva da União, está regulado pelo art. 153, VI, da Carta Republicana de 19882, art. 29 e ss do CTN3, e lei federal 9393/96.

Em nível de lei ordinária, regulamentando e detalhando os mandamentos constitucionais e disposições legais do CTN, a lei federal nº 9393/964 dispõe sobre o imposto rural:

Art. 1º O Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural – ITR, de apuração anual, tem como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse de imóvel por natureza, localizado fora da zona urbana do município, em 1º de janeiro de cada ano.

[…]

Art. 4º Contribuinte do ITR é o proprietário de imóvel rural, o titular de seu domínio útil ou o seu possuidor a qualquer título.

[…]

Art. 10. A apuração e o pagamento do ITR serão efetuados pelo contribuinte, independentemente de prévio procedimento da administração tributária, nos prazos e condições estabelecidos pela Secretaria da Receita Federal, sujeitando-se a homologação posterior.

[…]

Art. 11. O valor do imposto será apurado aplicando-se sobre o Valor da Terra Nua Tributável – VTNt a alíquota correspondente, prevista no Anexo desta Lei, considerados a área total do imóvel e o Grau de Utilização – GU.

[…]

Aos municípios foi outorgada, pela Constituição da República, a competência tributária para instituição e cobrança de ISSQN (Imposto Sobre Serviços), ITBI (Imposto Transmissão de Bens Imóveis) e IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano).

Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:

I – propriedade predial e territorial urbana;

II – transmissão “inter vivos”, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição;

III – serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar.

O Código Tributário Nacional (CTN), Lei 5.172 de 1966, veículo com autoridade para introduzir e descrever as hipóteses de incidência dos tributos, dispõe em seu artigo 32 a respeito do IPTU:

Art. 32. O imposto, de competência dos Municípios, sobre a propriedade predial e territorial urbana tem como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse de bem imóvel por natureza ou por acessão física, como definido na lei civil, localizado na zona urbana do Município.

Apesar da letra da lei explicitar as expressões “bem imóvel” e “localizado em zona urbana”, achou por bem o legislador complementar elucidar nos demais artigos quais requisitos devem ser verificados para classificação de bem imóvel localizado em zona urbana. Vejamos:

§ 1º Para os efeitos deste imposto, entende-se como zona urbana a definida em lei municipal; observado o requisito mínimo da existência de melhoramentos indicados em pelo menos 2 (dois) dos incisos seguintes, construídos ou mantidos pelo Poder Público:

I – meio-fio ou calçamento, com canalização de águas pluviais;

II – abastecimento de água;

III – sistema de esgotos sanitários;

IV – rede de iluminação pública, com ou sem posteamento para distribuição domiciliar;

V – escola primária ou posto de saúde a uma distância máxima de 3 (três) quilômetros do imóvel considerado.

§ 2º A lei municipal pode considerar urbanas as áreas urbanizáveis, ou de expansão urbana, constantes de loteamentos aprovados pelos órgãos competentes, destinados à habitação, à indústria ou ao comércio, mesmo que localizados fora das zonas definidas nos termos do parágrafo anterior.

Diante do mandamento legal, que norteia a atividade estatal com base no princípio da legalidade estrita para instituição de tributos, para que a zona urbana seja caracterizada, conforme § 1º, devem ser observadas a existência de, no mínimo, 2 melhoramentos. Ou seja, não apenas lei municipal deve dizer que área está localizada em área urbana, como devem concorrer à existência dos melhoramentos que assim a configurem.

Em outro sentido, tem entendido a Corte Superior que apenas a existência de lei declarando a área como urbanizável ou de expansão urbana têm condão para caracterização da incidência do tributo (aspecto espacial):

EMENTA. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. TRIBUTÁRIO. ALEGAÇÃO DE QUE O IMÓVEL ESTARIA LOCALIZADO EM ÁREA URBANA. APLICAÇÃO DA SÚMULA 7/STJ. IPTU. ART. 32 DO CTN. IMÓVEL SITUADO EM ÁREA DE EXPANSÃO URBANA. MELHORAMENTOS. DESNECESSIDADE. AGRAVO DESPROVIDO.

1. Tendo o douto magistrado a quo consignado que, no caso dos autos, trata-se de imóvel localizado em área de expansão urbana (fl. 161), qualquer manifestação deste Superior Tribunal de Justiça em sentido diverso encontraria óbice na Súmula 7 desta Corte.

2. Deve ser mantida a decisão ora agravada que, adotando orientação firmada nesta Corte Superior, entendeu que “incide a cobrança do IPTU sobre imóvel considerado por lei municipal como situado em área urbanizável ou de expansão urbana, mesmo que a área não esteja dotada de qualquer dos melhoramentos elencados no art. 31, § 1º, do CTN” (REsp 433.907/DF, 1ª Turma, Rel. Min. José Delgado, DJU de 23.9.2002).

3. Agravo regimental desprovido.

(AgRg no Ag 672.875/SP. STJ. Primeira Turma. Rel. Ministra Denise Arruda. Julgado em 18/10/2005. DJ 14/11/2005, p. 199)

EMENTA. PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL. IPTU. IMÓVEL SITUADO EM ÁREA URBANIZÁVEL. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA. EXISTÊNCIA DE LEI MUNICIPAL. MELHORAMENTOS DO ART. 32, §1º, DO CTN. DESNECESSIDADE. JURISPRUDÊNCIA FIRME DO STJ.

1. O entendimento desta Corte Superior é no sentido de que a existência de lei municipal tornando a área em discussão urbanizável ou de expansão urbana, afasta, de per si, a exigência prevista no art. 32, §1º, do CTN, é dizer, de qualquer daqueles melhoramentos básicos. Precedentes: AgRg no REsp 191.311/SP, Rel. Min. Francisco Falcão, Primeira Turma, DJ de 24/5/2004; AgRg no Ag 672.875/SP, Rel.

Min. Denise Arruda, Primeira Turma, DJ de 14/11/2005; AgRg no REsp 783.794/SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe de 8/2/2010; Ag 1.300.987/SP, Rel. Min. Benedito Gonçalves, Data de Publicação em 22/6/2010; AREsp 242.408/SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Data de Publicação em 25/10/2012.

2. Agravo regimental não provido.

(AgRg nos EDcl no REsp 1375925/PE. STJ. Primeira Turma. Rel. Ministro Benedito Gonçalves. Julgado em 15/05/2014, DJe 26/05/2014)

Supostamente embasados neste regramento e entendimento do STJ, os Municípios têm adentrado nas zonas rurais com intuito de desvirtuar a destinação destas áreas, alargando por lei os limites topográficos urbanos, inserindo obras inacabadas nestes locais para configuração dos melhoramentos, aprovando loteamentos apenas no “papel”, todas estas ações visando aplicar a cobrança do IPTU. Este fato tem ocorrido simultaneamente à cobrança do ITR pela União (geralmente de menor valor), que desempenha sua competência independente da atuação ilegal da municipalidade.

Todavia, a própria lei que autoriza a arrecadação também impõe limites a atuação municipal, quando verificado os demais diplomas legais que compõem o direito positivo tributário. Tal limite é imposto através do princípio da estrita legalidade em matéria tributária, estampado no art. 150, I da Constituição da República de 19885 e também nos arts. 97 e 114 do CTN6, que emana mandamento segundo o qual a tributação somente poderá ser exigida do cidadão quando instituída por veículo introdutor competente, ou seja, lei ordinária emanada do poder competente assim constituído (Poder Legislativo). O ilustre doutrinador Roque Antonio Carrazza assim dispõe sobre esta garantia:

Aliás, em nosso País, o contribuinte tem, em relação ao Fisco, duas ordens de garantias: uma material, e outra, formal. Material, na medida em que ele só pode ser compelido a pagar tributos que tenham sido criados por meio de lei ordinária (da pessoa política competente). E, formal, já que, a cada instante, é dado ao contribuinte bater às portas do Judiciário (princípio da universalidade de jurisdição) a fim de que este Poder verifique se a Administração Fazendária agiu ou está agindo de conformidade com a lei, na cobrança tributária.7

O Decreto-lei nº 57/668, alçado ao status de lei complementar, em seu art. 15, impõe uma exceção ao critério da localização.

Art 15. O disposto no art. 32 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966, não abrange o imóvel de que, comprovadamente, seja utilizado em exploração extrativa vegetal, agrícola, pecuária ou agro-industrial, incidindo assim, sôbre o mesmo, o ITR e demais tributos com o mesmo cobrados.(grifo nosso)

A norma jurídica acima explicitada introduz inovação ao sistema jurídico regulado pelo art. 32 do CTN quando elenca, além do critério topográfico/localização, também o critério da destinação da propriedade. Consoante este artigo, diante da comprovação da destinação da propriedade, pode ser afastada a cobrança do IPTU do imóvel que, comprovadamente, seja utilizado em exploração extrativa vegetal, agrícola, pecuária ou agro-industrial, devendo incidir sobre o mesmo o ITR.

Hugo de Brito Machado Segundo assim discorre sobre a insuficiência do critério topográfico para definir um imóvel como urbano:

Segundo o STJ, não é apenas o critério topográfico que determina a natureza rural do imóvel, mas também a sua destinação. Assim, um imóvel localizado dentro da zona urbana do Município, mas destinado a finalidade própria de rurais, será considerado rural, não se submetendo à incidência do IPTU.9

Utilizando um exemplo extremo, estando o imóvel localizado no centro do Município e sendo utilizado para produção extrativa vegetal (com registro no INCRA), tem o contribuinte o direito de ser tributado pelo ITR, independente de estar localizado em área considerada urbana.

Com base no comando normativo trazido pelo decreto-lei 57/66, art. 15, a regra matriz de incidência tributária do IPTU é alterada, especificamente na hipótese de incidência tributária, trazendo inovação ao critério espacial quando a destinação dada à propriedade é característica de imóvel rural, mesmo que estando localizado em área urbana.

Para entendermos melhor o quão fica afetada a normatividade jurídica do IPTU frente ao ITR, mediante a aplicação do art. 15 do decreto-lei 57/66, importante entender os elementos de formação da norma jurídica tributária que atribui validade jurídica a exação tributária, conforme doutrina.

Na lição do mestre Paulo de Barros Carvalho, o fato gerador, ou mais precisamente regra matriz de incidência tributária (RMIT), é composta por uma hipótese de incidência tributária (descritor) e um conseqüente (prescritor), ou seja, havendo ocorrido tal comportamento gera concomitantemente uma conseqüência jurídica.

O enunciado da hipótese de incidência é composto por:

  • Critério material: descreve o comportamento que o legislador quis regular, sendo composto por um verbo, seguido do complemento. Tal verbo exprime um comportamento humano relevante para o direito, que posteriormente é agrupado a um critério espacial e temporal;
  • Critério espacial: determina em qual circunscrição tal preceito verbal poderá ou deverá ocorrer, podendo ser em pontos determinados (II, IE), regiões específicas (IPTU), ou em áreas, que geralmente, coincidem, com o âmbito de validade territorial da lei (IPI, ICMS), não sendo regra;
  • Critério temporal: estabelece o marco de tempo no qual será verifica a ocorrência da hipótese tributária, fato este de extrema importância, uma vez que, é neste momento que se estabelece o vínculo jurídico e obrigacional do ente Estado (sujeito ativo), perante o sujeito passivo e a expectativa de auferir o produto pecuniário desta relação;

Continuando a explicação sobre a RIMT que legitima a incidência e exigência do tributo, o segundo componente da regra matriz de incidência tributária é o conseqüente, prescritor, que atribuiu conseqüência jurídica à hipótese tributária descrita, ou seja, enquadrando e definindo a relação jurídica existente entre os entes. Desta nasce à obrigação tributária que pode ser classificada como principal, quando constituiu a própria conduta exigida e que dá início ao liame obrigacional, ou classificada como deveres instrumentais, quando visam operacionalizar a fiscalização e arrecadação dos tributos. Do conseqüente da regra matriz podemos extrair dois critérios:

  • Critério pessoal: versa sobre a existência de dois sujeitos na relação, conhecido como sujeito passivo e sujeito ativo, confirmando a necessidade de bilateralidade na relação jurídica tributária, ainda que em posição de desigualdade, fronte a assimetria desta relação, pois o sujeito ativo goza de todos os mecanismos e meios coercitivos para facilitar a percepção da pecúnia derivada desta obrigação. Ainda sobre o critério pessoal devemos elencar que o CTN dispôs a existência de contribuinte e responsável, em posição diferente de acordo com o grau de contato com a hipótese de incidência tributária e do aproveitamento do negócio jurídico onde está nasceu.
  • Critério quantitativo: subdividido em base de cálculo e alíquota. A base de cálculo é o critério que exprime ou demonstra qual o sinal de riqueza que o legislador quis tributar, onde além de servir de meio para quantificar o valor do tributo, também é meio de compor a específica determinação da dívida, além de confirmar, infirmar ou afirmar o verdadeiro critério material da hipótese tributária. Outro critério, dentro do aspecto quantitativo, a ser observado é a alíquota, que combinada à base de cálculo, traduz e imprime um valor pecuniário a obrigação tributária, mensurando e valorando a grandeza exprimida pelo critério material, sendo que esta pode ser fixa ou percentual, progressiva, ou regressiva, de acordo com a necessidade de regulação pretendida pelo legislador.

O entendimento da construção da RMIT e a utilização deste recurso doutrinário pelo aplicador do direito são de fundamental importância para correta determinação dos componentes da relação jurídica tributária, o acertamento dos atores do processo, e também o afastamento de conduta ilegal pelo Estado Administrador, acaso seja evidenciada.

Com base nas legislações e artigos aqui arrolados, passemos então a construção da regra matriz de incidência tributária e a subsunção dos fatos e elementos ao comando normativo geral e abstrato.

  1. REGRA MATRIZ DE INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIA DO ITR E DO IPTU

Conhecida a estrutura da regra matriz de incidência tributária e seus elementos, passemos com base no direito positivo vigente à construção da norma jurídica tributária de cada espécie tributária neste estudo abordado.

A RIMT do ITR estaria assim constituída:

HIPÓTESE DE INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIA (HI)

  • Critério material (art. 29, CTN): O imposto, de competência da União, sobre a propriedade territorial rural tem como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse de imóvel por natureza, como definido na lei civil,
  • Critério temporal (art. 1 da lei 9393/96): em 1º de janeiro de cada ano.
  • Critério espacial (art. 29, CTN, art. 15 DL 57/66 cc art. 1 da lei 9393/96): localizado fora da zona urbana do Município. Estando o imóvel localizado dentro da zona urbana do município, e sendo comprovadamente utilizado em exploração extrativa vegetal, agrícola, pecuária ou agro-industrial, deve incidir sobre o mesmo o ITR e demais tributos com o mesmo cobrados;

CONSEQÜENTE (C)

  • Critério pessoal
  • Sujeito ativo (art. 29 do CTN): imposto de competência da União;
  • Sujeito passivo/Contribuinte (art. 31 do CTN e art. 4º da lei 9393/96): é o proprietário do imóvel, o titular de seu domínio útil, ou o seu possuidor a qualquer título;
  • Critério quantitativo:
  • Base de cálculo (art. 30, CTN):A base do cálculo do imposto é o valor fundiário;
  • Alíquota (art. 11, lei 9393/96):O valor do imposto será apurado aplicando se sobre o Valor da Terra Nua Tributável (VTNt) a alíquota correspondente, prevista no Anexo desta Lei, considerados a área total do imóvel e o Grau de Utilização (GU);

Com base na construção da norma jurídica de incidência do ITR realizada anteriormente, resta claro em quais situações concretas devem ser aplicada a norma jurídica abstrata.

Para não restar dúvida a respeito da tese que defendemos e formar a convicção do leitor passemos a construção da regra matriz de incidência tributária do IPTU:

HIPÓTESE DE INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIA (HI)

  • Critério material (art. 32 do CTN): o imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana tem como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse de bem imóvel, por natureza ou por acessão física, como definido na lei civil,…
  • Critério temporal (legislação municipal): como não há previsão constitucional e o CTN não restringe, devem ser verificadas as normas gerais de direito tributário e as legislações ordinárias municipais que introduzem o tributo no ordenamento jurídico;
  • Critério espacial (art. 32, CTN cc art. 15 DL 57/66): localizado na zona urbana do Município, definida em lei municipal, observados os requisitos da lei federal, localizado em áreas urbanizáveis ou de expansão urbana, constantes de loteamentos aprovados pela Prefeitura, destinados à habitação, à indústria ou ao comércio, mesmo quando localizados fora da zona urbana.

Estando o imóvel localizado dentro da zona urbana do município, e sendo comprovadamente utilizado em exploração extrativa vegetal, agrícola, pecuária ou agro-industrial, deve incidir sobre o mesmo o ITR e demais tributos com o mesmo cobrados;

Sem prolongar na análise do conseqüente da regra matriz de incidência tributária do IPTU, é justamente no critério espacial da hipótese de incidência tributária, formado pelo critério de localização e critério de destinação (exceção introduzida pelo art. 15 do DL 57/66), que verificamos a impossibilidade de incidência do IPTU em propriedades localizadas em zona rural, ou mesmo quando localizadas em zona urbana, quando sejam desenvolvidas atividades de exploração extrativa vegetal, agrícola, pecuária ou agro-industrial. Nestes casos, nos quais a exigência do IPTU conflita com a RMIT do ITR, deve ser considerado ilegal o lançamento efetuado, culminando na anulação e desconstituição do mesmo através do devido processo legal e a tutela estatal10.

A tese e a construção doutrinária, ora estampada, encontram guarida no entendimento da Corte Superior a respeito do assunto, julgado na sistemática dos Recurso Repetitivo, Tema 174, com efeito vinculante aos demais órgãos do judiciário:

EMENTA. TRIBUTÁRIO. IMÓVEL NA ÁREA URBANA. DESTINAÇÃO RURAL. IPTU. NÃO-INCIDÊNCIA. ART. 15 DO DL 57/1966. RECURSO REPETITIVO. ART. 543-C DO CPC.

1. Não incide IPTU, mas ITR, sobre imóvel localizado na área urbana do Município, desde que comprovadamente utilizado em exploração extrativa, vegetal, agrícola, pecuária ou agroindustrial (art. 15 do DL 57/1966).

2. Recurso Especial provido. Acórdão sujeito ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução 8/2008 do STJ.

(REsp 1112646/SP. STJ. Primeira Seção. Rel. Ministro Herman Benjamin. Julgado em 26/08/2009. DJe 28/08/2009)11

Na fundamentação do voto, o Excelentíssimo Relator Ministro Herman Benjamin, assim dispôs acerca da questão:

“Assim, não incide IPTU, mas sim o ITR, sobre imóvel localizado na área urbana do Município, desde que, comprovadamente, seja utilizado em exploração extrativa, vegetal, agrícola, pecuária ou agroindustrial.

Ao lado do critério espacial previsto no art. 32 do CTN, deve ser aferida a destinação do imóvel, nos termos do art. 15 do DL 57/1966.

Por fim, por se tratar de recurso submetido ao regime do art. 543-C do CPC, determino a adoção das providências relativas à Resolução 8/2008 do STJ.”

Ocorre, com indubitável certeza, que o critério da localização e o critério da destinação devem ser comparados e contrapostos para verificação da real utilização dada à propriedade, e fazer incorrer na devida subsunção da regra da exação tributária.

  1. CONCLUSÃO

Concluindo, deve o aplicador do direito atentar para o princípio da estrita legalidade (art. 150, I, CF/88 e art. 114 CTN) para defender os interesses de seu cliente, deixando-o ciente dos desmazelos da atuação estatal e a afronta legal pela mesma praticada. Da mesma maneira que o ente estatal deve desempenhar sua competência tributária e capacidade ativa, tem direito o contribuinte de procurar tutela jurídica para ver afastada a cobrança de IPTU, seja pelo critério topográfico (localização) ou da destinação (atividade rural), pagando o tributo conforme limites estipulados pela legislação competente.

O correto entendimento da doutrina e prática na construção da Regra Matriz de Incidência Tributária (RMIT), tanto na formação da Hipótese de Incidência Tributária (HI), quanto do Consequente (C) da norma jurídica, é essencial para o aplicador do direito conseguir abstrair das fontes do direito positivo vigente a estrita legalidade para defesa dos interesses do seu cliente e dos cidadãos.

Referências

ATALIBA, Geraldo. HIPÓTESE DE INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIA. 6. edição, 8º tiragem. Campinas: Malheiros Editores, 2006.

BRASIL. Constituição Federal de 1988, de 5 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm>. Acesso em: 30/04/2016.

BRASIL. LEI Nº 5.172, DE 25 DE OUTUBRO DE 1966. Dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L5172.htm>. Acesso em: 28/04/2017.

BRASIL. DECRETO-LEI Nº 57 DE 18 DE NOVEMBRO DE 1966. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del0057.htm>. Acesso em: 30/04/2017;

BRASIL. LEI Nº 9.393 DE 19 DE DEZEMBRO DE 1996. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/leis/L9393.htm>. Acesso em: 28/04/2017;

CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 23 ed. São Paulo: Malheiro Editores, 2006;

CARVALHO, Paulo de Barros Carvalho. CURSO DE DIREITO TRIBUTÁRIO. 17 ed. São Paulo: Saraiva, 2005;

HARADA, Kiyoshi. DIREITO FINANCEIRO E TRIBUTÁRIO. Atualizado de acordo com a EC Nº 42/2003 – REFORMA TRIBUTÁRIA. 12 ed. São Paulo: Atlas, 2004;

SEGUNDO, Hugo de Brito Machado. CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL – Anotações à Constituição, ao Código Tributário Nacional e as Leis Complementares 87/1996 e 116/2003. 3 ed. São Paulo: Atlas, 2013;

1 HARADA, Kiyoshi. Direito Financeiro e Tributário. Atualizado de acordo com a EC Nº 42/2003 – REFORMA TRIBUTÁRIA. 12 ed. São Paulo: Atlas, 2004. p. 85.

2 Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre:

[…]

VI – propriedade territorial rural;

[…]

3 Art. 29. O imposto, de competência da União, sobre a propriedade territorial rural tem como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse de imóvel por natureza, como definido na lei civil, localização fora da zona urbana do Município.

Art. 30. A base do cálculo do imposto é o valor fundiário.

Art. 31. Contribuinte do imposto é o proprietário do imóvel, o titular de seu domínio útil, ou o seu possuidor a qualquer título.

4 Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/leis/L9393.htm>. Acesso em: 28/04/2017;

5 Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

I – exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça;

[…]

6 Art. 97. Somente a lei pode estabelecer:

I – a instituição de tributos, ou a sua extinção;

II – a majoração de tributos, ou sua redução, ressalvado o disposto nos artigos 21, 26, 39, 57 e 65;

III – a definição do fato gerador da obrigação tributária principal, ressalvado o disposto no inciso I do § 3º do artigo 52, e do seu sujeito passivo;

IV – a fixação de alíquota do tributo e da sua base de cálculo, ressalvado o disposto nos artigos 21, 26, 39, 57 e 65;

V – a cominação de penalidades para as ações ou omissões contrárias a seus dispositivos, ou para outras infrações nela definidas;

VI – as hipóteses de exclusão, suspensão e extinção de créditos tributários, ou de dispensa ou redução de penalidades.

Art. 114. Fato gerador da obrigação principal é a situação definida em lei como necessária e suficiente à sua ocorrência.

7 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 23 ed. São Paulo: Malheiro Editores, 2006. p. 246.

8 Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del0057.htm>. Acesso em: 30/04/2017.

9 SEGUNDO, Hugo de Brito Machado. Código Tributário Nacional – Anotações à Constituição, ao Código Tributário Nacional e as Leis Complementares 87/1996 e 116/2003. 3 ed. São Paulo: Atlas, 2013. p. 158.

10 Constituição Federal de 1988

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[…]

XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;

11 Disponível em: <http://www.stj.jus.br>. Acesso em: 19/05/2017.