DA ILEGALIDADE DA TAXA DE FISCALIZAÇÃO DA ANTT INSTITUÍDA PELA LEI 10.233/2001 E RESOLUÇÃO Nº 4936/2015 FRENTE AOS MANDAMENTOS CONSTITUCIONAIS E O CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL

A Carta Magna estabeleceu limites ao poder de tributar que devem ser observados pelo Estado Administrador, ao passo que, a cobrança de Taxa, especificamente pelo exercício do poder de polícia, deve revestir-se da legalidade exigida pela norma introdutora do tributo, além da observância no mundo real do efetivo serviço prestado ao contribuinte. Desta maneira, a Taxa de Fiscalização instituída pela ANTT, resolução nº 4936/2015 apresenta vícios materiais que implicam na ilegalidade da norma, além da ausência de efetivo poder de fiscalização prestado ao contribuinte em favor do bem estar social.

IGOR MONTEIRO DE BORTOLI

Pós-Graduado em Direito Constitucional Tributário pela Escola Paulista de Direito, Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito do Sul de Minas. MBA em Comércio Exterior e Negócios Internacionais pela Fundação Getúlio Vargas.

RESUMO: A Carta Magna estabeleceu limites ao poder de tributar que devem ser observados pelo Estado Administrador, ao passo que, a cobrança de Taxa, especificamente pelo exercício do poder de polícia, deve revestir-se da legalidade exigida pela norma introdutora do tributo, além da observância no mundo real do efetivo serviço prestado ao contribuinte. Desta maneira, a Taxa de Fiscalização instituída pela ANTT, resolução nº 4936/2015 apresenta vícios materiais que implicam na ilegalidade da norma, além da ausência de efetivo poder de fiscalização prestado ao contribuinte em favor do bem estar social.

PALAVRAS CHAVE: Taxa de Fiscalização; ANTT; Resolução 4936/2015; Requisitos constitucionais e de validade; Efetivo exercício do poder de polícia; Ausência; Ilegalidade;

SUMÁRIO:1. PROBLEMA; 2. DOS ELEMENTOS DE VALIDADE PARA INSTITUIÇÃO DA TAXA; 3. DA ILEGALIDADE DA TAXA DE FISCALIZAÇÃO DIANTE DOS PRECEITOS LEGAIS; 4. VEDAÇÃO DA UTILIZAÇÃO DE BASE DE CÁLCULO PRÓPRIA DE IMPOSTOS; 5. CONCLUSÃO; Referências.

1. PROBLEMA

Em tempos de crise econômica, nos quais a demanda sofre queda abrupta e o cenário macroeconômico não apresenta possibilidade de crescimento, o dinheiro desaparece do mercado e a circulação de riqueza tende ao negativo. Neste cenário resta aos empresários e as empresas inovarem na geração de receita, e na impossibilidade desta, buscar a equalização dos custos e despesas para sobreviver aos tempos de turbulência, pois a mão invisível do mercado, neste panorama conturbado de desarranjo, levará tempo para realizar seus movimentos de estabilização.

De outro lado, com a queda na circulação de riqueza, o Estado Administrador, na impossibilidade de equalizar o custo da máquina publica, utiliza-se do poder arrecadador para fazer surgir novas receitas para sua sobrevivência.

Neste jogo de sobrevivência, coube a Agência Nacional de Transportes Terrestres, ANTT, através de resolução nº 4936/2015 e da lei 10.233/2001, proceder à cobrança da Taxa de Fiscalização das sociedades empresárias que prestam serviços de transporte rodoviário coletivo interestadual e internacional de passageiros.

Tal exação tributária possui características conflitantes aos ditames do texto constitucional e do direito positivo que implica, em análise preliminar, na ilegalidade de sua cobrança, conforme será exposto adiante.

No presente estudo nos ateremos à análise das normas jurídicas que regulam a cobrança do tributo frente aos postulados do direito tributário vigente, sem adentrar na esfera da legalidade formal do texto normativo.

2. DOS ELEMENTOS DE VALIDADE PARA INSTITUIÇÃO DA TAXA

No Estado de Direito moderno cabe ao Estado desenvolver suas atividades conforme disposições legais, vinculadas, evitando arbítrio e tratamento diferenciado frente aos cidadãos que se encontram na mesma situação de igualdade.

Com relação à tributação, a vinculação da atividade estatal as normas jurídicas se mostra de extrema importância devido a supressão da riqueza do contribuinte e do cidadão, consubstanciada pela atividade de tributação. Tendo em vista a importância na designação das espécies tributárias e a competência dos entes para sua instituição, assim dispôs a CF/88:

Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:

I – impostos;

II – taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição;

III – contribuição de melhoria, decorrente de obras públicas.

Dispõe a Carta Republicana de 1988 em relação à vinculação da atividade da cobrança dos tributos:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

I – exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça;

[…]

Ressalta Roque Antonio Carrazza sobre a função de tal princípio e mandamento constitucional:

O princípio da legalidade garante, decisivamente, a segurança das pessoas, diante da tributação. De fato, de pouco valeria a Constituição haver protegido a propriedade privada (arts. 5º, XXII, e 170, II) se inexistisse a garantia cabal e sole de que os tributos não seriam fixados ou alterados pelo Poder Executivo, mas só pela lei.1

Ainda querendo reafirmar a necessidade de lei que regulamentasse a atividade estatal e a hierarquia das normas, assim determinou a Carta Magna em outro artigo:

Art. 146. Cabe à lei complementar:

I – dispor sobre conflitos de competência, em matéria tributária, entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios;

II – regular as limitações constitucionais ao poder de tributar;

III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:

a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes;

b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários;

c) adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas.

d) definição de tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e para as empresas de pequeno porte, inclusive regimes especiais ou simplificados no caso do imposto previsto no art. 155, II, das contribuições previstas no art. 195, I e §§ 12 e 13, e da contribuição a que se refere o art. 239.

Conforme disposição constitucional, a relação jurídico-tributária envolvendo o Estado e o contribuinte é regulado em linhas gerais pela Lei 5.172, de 25 de Outubro de 1966, Código Tributário Nacional (CTN), recepcionado pela CF/88 com status de lei complementar. O CTN descreve, detalhadamente, o conceito de tributo como:

Art. 3º Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.

O CTN ainda estipula regras que visam manter a coerência do sistema tributário, de modo que a criação de tributos leve em consideração mandamentos básicos, evitando a exação tributária fora dos limites constitucionais e legais:

Art. 4º A natureza jurídica específica do tributo é determinada pelo fato gerador da respectiva obrigação, sendo irrelevantes para qualificá-la:

I – a denominação e demais características formais adotadas pela lei;

II – a destinação legal do produto da sua arrecadação.

E em respeito à hierarquia dada ao texto constitucional, o CTN reproduz mandamento legal com as espécies de tributos a serem postos no direito positivo:

Art. 5º Os tributos são impostos, taxas e contribuições de melhoria.

Tratando especificamente do tema Taxas, seguindo os ditames constitucionais restritos, assim dispôs o CTN acerca do tributo:

Art. 77. As taxas cobradas pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios, no âmbito de suas respectivas atribuições, têm como fato gerador o exercício regular do poder de polícia, ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição.

Parágrafo único. A taxa não pode ter base de cálculo ou fato gerador idênticos aos que correspondam a imposto nem ser calculada em função do capital das empresas.

Como verificado no texto da lei, ocorre completa subsunção da matéria regulada pelo CTN aos ditames e limites impostos pela CF/88, sendo que as características necessárias para classificação de um tributo como Taxa e a verificação de sua legalidade, encontram “check list” completo na descrição da norma jurídica extraída do texto legal e constitucional.

Mesmo com a clareza das disposições trazidas pelo art. 77, com intuito de dirimir problemas a respeito da caracterização do tributo como Taxa e as demais espécies, o CTN elenca outras características e requisitos necessários para configuração da espécie tributária:

Art. 78. Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interêsse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de intêresse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado,ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.

Parágrafo único. Considera–se regular o exercício do poder de polícia quando desempenhado pelo órgão competente nos limites da lei aplicável, com observância do processo legal e, tratando-se de atividade que a lei tenha como discricionária, sem abuso ou desvio de poder.

Art. 79. Os serviços públicos a que se refere o artigo 77 consideram-se:

I – utilizados pelo contribuinte:

a) efetivamente, quando por ele usufruídos a qualquer título;

b) potencialmente, quando, sendo de utilização compulsória, sejam postos à sua disposição mediante atividade administrativa em efetivo funcionamento;

II – específicos, quando possam ser destacados em unidades autônomas de intervenção, de utilidade, ou de necessidades públicas;

III – divisíveis, quando suscetíveis de utilização, separadamente, por parte de cada um dos seus usuários.

Art. 80. Para efeito de instituição e cobrança de taxas, consideram-se compreendidas no âmbito das atribuições da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios, aquelas que, segundo a Constituição Federal, as Constituições dos Estados, as Leis Orgânicas do Distrito Federal e dos Municípios e a legislação com elas compatível, competem a cada uma dessas pessoas de direito público.

(grifei)

Em leitura analítica do texto legal e na construção da norma jurídica, podemos elencar, para instituição de uma Taxa, certos requisitos que devem ser observados, requisitos estes tidos como “fatos do Estado”. São eles:

i) o exercício regular do poder de polícia, que legitima a cobrança da “taxa”, e,

ii) a utilização efetiva ou potencial de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos à sua disposição.

No mesmo sentido, Roque Antônio Carrazza divide o gênero taxa em duas espécies distintas, sendo taxas de serviços e taxas de polícia. A primeira espécie somente pode ser exigida quando o serviço prestado for específico, divisível, e de proveito individual ao contribuinte. A segunda espécie, que se aplica ao caso concreto, é aquela exercida pela Administração no exercício do poder de polícia. A respeito da taxa de polícia assim discorre o ilustre professor:

Exercendo, com base em lei, seu poder de polícia, o Estado (latu sensu) limita o exercício dos direitos à propriedade e à liberdade das pessoas, de modo a permitir que, observando o princípio da prevalência do interesse público sobre o privado, todas possam desfrutar igualmente destes dois bens supremos.

Do exposto, temos que a taxa de polícia pressupõe o efetivo exercício de atividades ou diligências, por parte da Administração Pública, em favor do contribuinte, removendo-lhe obstáculos jurídicos, mantendo-os, fiscalizando a licença que lhe foi concedida, etc.

Registramos por oportuno, que utilização potencial do exercício do poder de polícia não autoriza a pessoa política a exigir esta modalidade de taxa.2

(grifei)

Adicionalmente a tudo que foi exposto anteriormente, visando esmiuçar os elementos que caracterizam a Taxa, o texto constitucional impôs requisito chave para auxiliar na classificação dos tributos:

Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:

[…]

II – taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição;

[…]

§ 2º – As taxas não poderão ter base de cálculo própria de impostos.

(grifei)

O Parágrafo Único do art. 77 do CTN também ressalva esta restrição imposta pela Carta Magna:

Parágrafo único. A taxa não pode ter base de cálculo ou fato gerador idênticos aos que correspondam a imposto nem ser calculada em função do capital das empresas.

Os dispositivos legais acima transcritos guardam importância fundamental na aplicação do direito, seja para o Estado Administrador na atividade da arrecadação, seja para o contribuinte no direito de ser tributado com base em normas dotadas de validade, legalidade e constitucionalidade. Uma vez que a Carta Magna distribuiu a competência tributária entre os entes estatais e impôs limites à exação tributária, cabe ao legislador observar e assegurar que não adentra em campo diverso da competência a este atribuída.

Nas lições do professor Paulo de Barros Carvalho sobre análise da regra matriz de incidência tributária, a base de cálculo ou base imponível, conforme corrente doutrinária adotada, deve conter elementos próprios a assegurar a legalidade do tributo instituído. Assim, na formação da regra matriz de incidência tributária poderá a base de cálculo, em confronto analítico com o descrito no critério da hipótese de incidência, desempenhar as seguintes funções:

Às três funções da base de cálculo, sobre que até agora discorremos, convém os seguintes nomes indicativos: a) função mensuradora, pois mede as proporções reais do fato; b) função objetiva, porque compõe a específica determinação da dívida; c) função comparativa, porquanto, posta em comparação com o critério material da hipótese, é capaz de confirmá-lo, infirmá-lo ou afirmar aquilo que consta no texto da lei, de modo obscuro.3

E em análise específica sobre a base de cálculo própria das Taxas, destacando o caráter sinalagmático desta espécie de tributo, assim discorreu o doutrinador:

Taxas são tributos que se caracterizam por apresentarem, na hipótese da norma, a descrição de um fato revelador de uma atividade estatal, direta e especificadamente dirigida ao contribuinte. Nisso diferem dos impostos, e a análise de suas bases de cálculo deverá exibir, forcosamente, a medida da intensidade de participação do Estado. Acaso o legislador mencione a existência de taxa, mas eleja base de cálculo mensuradora de fato estranho a qualquer atividade do Poder Público, então a espécie tributária será outra, naturalmente um imposto.4

Geraldo Ataliba, em trabalho específico sobre o tema, expõe requisitos legais na formação e positivação do direito que devem ser observadas, com a edição dos seguintes diplomas normativos pelo ente tributante, e se posicionou desta maneira o ilustre jurista:

Estes (os agentes públicos) desempenham exames, vistorias, perícias, verificações, avaliações, cálculos, estimativas, confrontos e outros trabalhos como condição ou preparo do ato propriamente de polícia, consistente em autorizar, licenciar, homologar, permitir, ou negar, denegar, proibir etc.

Entende-se que estas atividades se constituem na hipótese de incidência da taxa; elas é que justificam a sua exigência, da pessoa interessada nas conclusões ou no resultado de tais atos (este resultado, ou conclusões, sim, eminentemente expressivos do poder de polícia).

Dessas afirmações decorre que não pode exigir taxa pelo poder de polícia, quando o seu exercício não exija uma atividade ou diligência semelhante.5

Embasado na lição dos ilustres doutrinadores, e novamente na interpretação do texto legal, no caso de taxa de polícia não basta à simples instituição, edição de lei, e disponibilização potencial, mas sim, deve estar presente a atividade de fiscalização do estado, materializando-se em atos e diligencias próprias da administração para com o administrado/contribuinte, assim como a perfeita correlação material e fática entre o critério material e a base de cálculo adotada.

Consolidando a construção da tese acima exposta, em conjunto com a doutrina correlacionada nesta feita, o STF em recente julgado estabeleceu os limites para instituição de Taxa, em consonância com o que aqui temos defendido:

EMENTA Agravo regimental no recurso extraordinário com agravo. Tributário. Taxa de Fiscalização de Estabelecimentos – TFE. Base de cálculo. Número de empregados. Dados insuficientes para aferir o efetivo poder de polícia. 1. As taxas comprometem-se tão somente com o custo do serviço específico e divisível que as motiva, ou com a atividade de polícia desenvolvida. 2. Os critérios do número de empregados ou da atividade exercida pelo contribuinte para aferir o custo do exercício do poder de polícia desvinculam-se do maior ou menor trabalho ou atividade que o Poder Público se vê obrigado a desempenhar. Precedentes. 3. Agravo regimental não provido.

(ARE 744804 AgR, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 05/08/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-196 DIVULG 07-10-2014 PUBLIC 08-10-2014)6

(grifei)

Tendo construído o conceito de Taxa, expostos e discorridos os requisitos e características necessárias a sua configuração e validade, visando delimitar a incidência da exação tributária, incluindo posicionamento da mais alta corte do país, passemos a analisar a Taxa de Fiscalização instituída pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), objeto do presente estudo.

3. DA ILEGALIDADE DA TAXA DE FISCALIZAÇÃO DIANTE DOS PRECEITOS LEGAIS

No ano de 2015, mediante Resolução nº 4936/2015, a ANTT instituiu a taxa de fiscalização do serviço de transporte rodoviário coletivo interestadual e internacional de passageiros, incidindo uma vez ao ano, tendo como base de cálculo a quantidade de veículos registrados em nome da sociedade empresária. Dispõe o texto da resolução:

Resolução nº 4936, de 19 de novembro de 2015

Art. 1º A sociedade empresária que presta serviço de Transporte Rodoviário Coletivo Interestadual e Internacional de Passageiros, por meio de delegação da ANTT, deverá pagar Taxa de Fiscalização, conforme valores e procedimentos previstos nesta Resolução.

Art. 2º O valor da Taxa de Fiscalização para as sociedades empresárias que exploram serviço regular, rodoviários e semiurbanos, e/ou fretados será de R$ 1.800,00 (um mil e oitocentos reais) por ônibus registrados na frota entre os dias 1º de janeiro e 31 de dezembro do ano de apuração, inclusive para o ano de 2015.

Parágrafo único. Se, durante o ano de apuração, o veículo for registrado na frota de uma mesma sociedade empresária para operar tanto serviço regular quanto serviço fretado, a Taxa de Fiscalização referente ao veículo será calculada na forma do caput deste artigo.

A resolução criada com intuito de disciplinar a arrecadação do referido tributo, teve como motivação e fundamento de validade o art. 77, caput, inciso III e § 3º de Lei nº 10.233, de 5 de junho de 2001, com atribuições alteradas pelo art. 3º da Lei 12.996/2014:

Art. 77. Constituem receitas da ANTT e da ANTAQ:

[…]

III – os produtos das arrecadações de taxas de fiscalização da prestação de serviços e de exploração de infra-estrutura atribuídas a cada Agência.

[…]

§ 3º No caso do transporte rodoviário coletivo interestadual e internacional de passageiros, a taxa de fiscalização de que trata o inciso III do caput deste artigo será de R$ 1.800,00 (mil e oitocentos reais) por ano e por ônibus registrado pela empresa detentora de autorização ou permissão outorgada pela ANTT.

Em contraste com os mandamentos legais que delimitam o alcance de incidência de uma taxa, conforme leitura acurada da Lei 10.233/2001 e da Resolução 4936/2015 não é possível identificar, na norma jurídica de incidência tributária da referida taxa, a descrição ou determinação do tipo de serviço específico e divisível que será disponibilizada ao contribuinte ou desempenhado pelo Estado para justificar tal cobrança, faltando assim o critério material e elementos para correta verificação do fato gerador.

Da mesma maneira, uma vez que elenca a quantidade de veículos registrados na frota da sociedade empresária como base de cálculo para formação da relação jurídico tributária, além de afrontar os mandamentos legais que vinculam a base de cálculo ao critério material, denotam a inexistência de observância o princípio da retributividade, pois o fato do veículo estar registrado em nome do contribuinte não evidencia a atividade de fiscalização, que deverá ser específica, divisível, e ter caráter sinalagmático de modo a demonstrar que a Taxa será cobrada por serviço realmente executado. Ou seja, pode a sociedade empresária possuir diversos veículos registrados na frota, porém, nem todos foram submetidos à fiscalização da ANTT.

Consoante a lacuna legal descrevendo especificamente a atividade de fiscalização a ser desenvolvida, no caso concreto, as empresas não têm sido submetidas a qualquer tipo de fiscalização que justificasse a cobrança da referida Taxa. Os contribuintes têm sido surpreendidos com notificações a respeito do não pagamento, via email, comunicando que a regularização pode ser realizada através de impressão de boleto via sítio da ANTT, demonstrando distância física entre o contribuinte e a fiscalização que deveria ser exercida pelo Estado, além da falta de interesse do ente estatal em praticar atos de polícia que ensejaria a cobrança do tributo. Conseqüentemente, faltam evidências no mundo fenomênico, real, de ações de fiscalização por parte do sujeito ativo que pudesse sub-rogar o evento à hipótese de incidência tributária, mais precisamente, ao critério material da Taxa.

Também não encontramos nas atribuições gerais da ANTT, dispostas no art. 24 da Lei 10.233/20017, características de serviço prestado, que traria requisito de validade e fundamentação para criação de taxa.

Concluindo, uma vez que a norma de instituição da Taxa está eivada de vícios materiais, ou na melhor dicção, lacunas legais a respeito dos elementos e características para instituição e cobrança do tributo, conforme mandamentos constitucionais e do CTN, resta comprovada a ilegalidade da cobrança do tributo em afronta direta ao art. 150 da CF/88. Ressalta-se novamente que, mesmo que preenchidos os requisitos legais, faltará à comprovação da realização, pela Administração Pública, de atos de polícia em favor do contribuinte, que materializasse a incidência do tributo ao caso concreto.

4. VEDAÇÃO DA UTILIZAÇÃO DE BASE DE CÁLCULO PRÓPRIA DE IMPOSTOS

Adicionalmente a tudo que foi exposto anteriormente a respeito das lacunas existentes entre a norma jurídica e da ocorrência do fato gerador no mundo concreto, afirmamos que ocorre concomitantemente afronta direta ao § 2º, art. 145 da Constituição Republicana de 1988, e ao Parágrafo Único do Art. 77 do CTN, ao estabelecer a base cálculo da taxa como própria de tributos.

Sem prestar estrita observância ao ditame constitucional e a lei complementar, tanto a Lei 10.233/2001, em seu § 3º, art. 77, quanto a Resolução 4936/2015, estabelecem que o tributo incidirá por ônibus registrado pela empresa detentora de autorização ou permissão outorgada pela ANTT.

A taxa de fiscalização incide e tem sua base de cálculo “ser proprietário de ônibus”, espécie do gênero veículo, fato jurídico este que já constitui fato gerador de outro tributo, o IPVA, no qual os Estados possuem competência constitucional para sua instituição.

Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:

[…]

III – propriedade de veículos automotores.8

Apesar da discussão que possa ser levantada a respeito da correta descrição da base de cálculo do IPVA, de primeiro plano, verifica-se confusão entre as esferas de cada tributo, pois ambas as espécies incidiriam sobre o mesmo aspecto material, que guarda relação direta com a base de cálculo, sendo que esta capaz de confirmar, infirmar ou afirmar o aspecto material e a espécie tributária, trazendo insegurança jurídica ao contribuinte que pode ver-se compelido ao pagamento do tributo por diferentes entes estatais.

Diante da zona cinzenta estabelecida, já delimitados os outros problemas da referida Taxa, verifica flagrante desrespeito as competências tributárias constitucionais, sendo que o tributo adentra em campos não autorizados e fere de maneira, mesmo que indiretamente, o mandamento constitucional estabelecido pela § 2º, do art. 145 da CF/88.

Visando a defesa dos interesses de seus associados, a Associação Brasileira Das Empresas De Transporte Terrestre De Passageiros (Abrati) interpôs, perante a 7ª Vara Federal de Brasília, o Processo N° 0020856-43.2016.4.01.3400, requerendo a declaração de nulidade da resolução ANTT Nº 4936/2015. No julgamento da liminar, em favor da Abrati, o respeitável proferiu a decisão e assim discorreu acerca da Taxa de Fiscalização ora discutida:

Dessa forma, tenho que incidiu em ilegalidade a Resolução 4.936/2015, da ANTT, pois da maneira como institucionalizou a “taxa de fiscalização”, acabou por incidir na mesma base de cálculo do fato gerador do IPVA, o que vai contra o § 2º do art. 145 da CF/88. E mais, não vinculou o tributo a nenhuma prestação de serviço específico e divisível. Ora, é necessário saber, com minudências, qual fiscalização serárealizada. Se somente sobre o ônibus e suas condições mecânicas, de segurança econforto, se sobre a documentação do veículo e dos requisitos para operar transporte depassageiros etc. É até de se imaginar que tais pontos sejam observados em eventualfiscalização, contudo, a meu ver, só se justificaria o pagamento da taxa no momentoefetivo da fiscalização, mas não genericamente, pelo simples fato de ser o proprietário doveículo. Da forma como posta na malfadada resolução, não se disse nada, não se tratoude taxa, apenas estipulou-se um pagamento para quem possui ônibus nas condições queestabelece, tudo isso em franco desrespeito aos princípios e leis que regem o nossosistema tributário. 9

(grifei)

Desta feita, evidenciada à afronta da ANTT frente aos mandamentos, princípios e demais normas jurídicas que resguardam os direitos do contribuinte, abre-se a possibilidade às empresas prestadoras de serviço de transporte rodoviário coletivo interestadual e internacional de passageiros requererem a tutela do Estado Juiz para ver afastada a cobrança do referido tributo com base nos fundamentos trazidos à análise e do art 5º, XXXV, da CF/8810.

5. CONCLUSÃO

  • A atividade estatal deve ser vinculada a lei de modo estabelecer segurança jurídica ao contribuinte no desempenho de suas atividades empresariais;
  • A Constituição Federal de 1988 estabelece critérios rígidos de legalidade e competência tributária que devem ser observados pelos entes estatais na cobrança dos tributos e pelo legislador na elaboração da norma jurídica tributária;
  • Em relação à taxa, espécie do gênero tributo, há exaustiva descrição, na Carta Magna e no CTN, dos elementos formadores da regra matriz de incidência tributária sob pena de ilegalidade diante da inobservância dos mesmos;
  • A legalidade da cobrança da taxa em razão do poder de polícia decorre da estrita observância dos limites legais, e também da caracterização do caráter sinalagmático do serviço prestado, de maneira individual e divisível, através da real execução das diligências de fiscalização realizadas pelo poder público;
  • A lei, em sentido amplo, que instituiu a Taxa de Fiscalização, configura-se eivada de vícios e lacunas que desfiguram a espécie tributária, impedindo a correta formação da regra matriz de incidência tributária, seja pela ausência dos aspectos materiais e conflito com a base de cálculo, afronta aos mandamentos constitucionais, e ausência do evento no mundo real, que possibilitaria a criação da norma jurídica individual e concreta pela transcrição do evento em linguagem competente;
  • Cabe ao contribuinte recorrer à tutela do Estado Juiz de modo a ver afastada a incidência da norma jurídica tributária, utilizando-se das ações declaratórias, ações de anulação, tutelas de urgências, e os demais instrumentos processuais postos a disposição;

Referências

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ATALIBA, Geraldo. TAXA DE POLÍCIA – Localização e funcionamento. Estudos e Pareceres de Direito Tributário, vol. 3, São Paulo, Ed. RT, 1980.

BRASIL. Constituição Federal de 1988, de 5 de outubro de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm. Acesso em: 30/04/2016.

BRASIL. LEI Nº 5.172, DE 25 DE OUTUBRO DE 1966. Dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L5172.htm. Acesso em: 28/04/2016.

BRASIL. LEI Nº 10.233, DE 5 DE JUNHO DE 2001. Dispõe sobre a reestruturação dos transportes aquaviário e terrestre, cria o Conselho Nacional de Integração de Políticas de Transporte, a Agência Nacional de Transportes Terrestres, a Agência Nacional de Transportes Aquaviários e o Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes, e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LEIS_2001/L10233.htm. Acesso em: 02/03/2016.

BRASIL. ANTT. RESOLUÇÃO Nº 4936/2015. Estabelece procedimentos para pagamento da Taxa de Fiscalização do serviço de transporte rodoviário coletivo interestadual e internacional de passageiros de que trata o art. 77, caput, inciso III e § 3º de Lei nº 10.233, de 5 de junho de 2001. Disponível em: http://www.antt.gov.br/index.php/content/view/44726/Resolucao_n__4936.html. Acesso em: 02/03/2016.

BRASIL. TRF 1 – 7º Vara Federal. Processo nº 0020856-43.2016.4.01.3400. Publicado: 19/04/2016. Disponível em: http://www.trf1.jus.br. Acesso em: 08/03/2016.

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HARADA, Kiyoshi – DIREITO FINANCEIRO E TRIBUTÁRIO: Atualizado de acordo com a EC nº 42/2003 – Reforma Tributária. 12. ed. São Paulo: Ed. Atlas, 2004.

MACHADO, Hugo de Brito. CURSO DE DIREITO TRIBUTÁRIO. 24. ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2004.

MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. PROCESSO TRIBUTARIO. 3. ed. São Paulo: Editora Atlas, 2008.

1 CARRAZZA, Roque Antonio – CURSO DE DIREITO CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO: 23ª Edição revista e atualizada até a Emenda Constitucional n. 53/2006. 23. ed. São Paulo : Malheiros Editores, 2007. p. 245.

2 Ibid. p. 519 – 521.

3 CARVALHO, Paulo de Barros. CURSO DE DIREITO TRIBUTARIO: De acordo com a Lei Complementar n. 118/2005. 17. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2005. p. 337.

4 Ibid. p. 38 – 39.

5 ATALIBA, Geraldo. TAXA DE POLÍCIA – Localização e funcionamento. Estudos e Pareceres de Direito Tributário, vol. 3, São Paulo, Ed. RT, 1980. p. 520.

6 Disponível em: < http://stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28ARE+744804+%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/gurykpk> Acesso em: 05/05/2016.

7 Art. 24. Cabe à ANTT, em sua esfera de atuação, como atribuições gerais: […]

8 Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm>. Acesso em: 30/04/2016.

9 Disponível em: http://www.trf1.jus.br. Acesso em: 08/03/2016.

10 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[…]

XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;